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Por Fernando Gabeira.


 O texto que segue abaixo foi escrito por Fernando Gabeira:


Furacão sobre Cuba


Grande parte dos neurônios da esquerda triunfante brasilera foram irremediavelmente perdidos na Guerra Fria.
Com seus aliados cubanos, ela nos jogou no século passado, durante a visita da blogueira Yoani Sanchez.
Sartre pediria uma dose de absinto para compreender que outro furacão ameaça Cuba: a revolução digital.
Karl Marx precisaria de boas almofadas para acomodar seus furúnculos no bumbum, ao constatar que uma ditadura comunista não resiste ao avanço tecnológico e científico da humanidade.
Cuba e Venezuela estão ligados por fibra ótica. De um ponto de vista técnico, a ilha poderia estar toda conectada com o mundo e através da criatividade e boa educação de seu povo achar novos caminhos para superar seu atraso econômico.
O instrumento não pode ser usado em sua amplitude porque ameaça a estabilidade do governo. Para que o governo exista, o atraso precisa sobreviver.
Yoani Sanchez não é a primeira voz dissidente em Cuba. Mas foi a que melhor usou a conexão com o mundo não só para divulgar seus artigos mas para garantir algum nível de proteção diante da burocracia.
De longe, com seus cabelos longos, saias compridas, pode sugerir aquela personagem, que sobe no fio e desanda a fazer milagre no filme Teorema de Pasolini.
Mas é articulada, responde a todas as perguntas, mesmo as mais provocativas, e certamente, também foi arrastada para o século passado, com aquelas pessoas gritando palavras de ordem.
Digo isso, porque no seu blog confessou que a experiência com os militantes brasileiros a lembrou de coisas parecidas em Cuba, sobretudo os gritos de traidora contra uma vizinha que iria para o porto de Muriel naquela grande debandada permitida pelo governo.
Numa entrevista, ressaltou que nem os jovens cubanos usam mais a expressão ianque. Um forte cheiro de naftalina exalou não apenas dos cartazes e dos gritos mas de toda a história da campanha organizada pela Embaixada cubana, com apoio do batalhão digital do PT.
O curioso é que dentre aqueles cartazes, havia um que Yoani empunharia com naturalidade: o que pede o fim do embargo econômico contra a ilha.
O problema é o bloqueio mental porque torna mais denso o cerco econômico. A manobra articulada pelos cubanos e seus aliados na esquerda é típica de estrategistas que perderam o contato com a realidade. Constantemente obtem o oposto de que projetaram.
A campanha contra Yoani ampliou a repercussão de sua visita ao Brasil e estendeu o halo de simpatia em torno de uma pessoa que luta pela liberdade de expressão.
Em todos os contatos espontâneos, ela recebeu carinho no Brasil. Isso talvez tenha mostrado rapidamente a uma estrangeira que nossa política externa expressa a vontade de um partido dominante, mas não a vontade nacional.
Os neurônios perdidos na Guerra Fria fazem uma enorme falta à esquerda no poder. Por que não contestar com argumentos a luta pela liberdade de expressão num regime ditatorial?
Simplesmente porque a burocracia cubana e agora a brasileira já não se dispõem ao debate mas apenas à desqualificação dos que divergem delas.
No livro de Reinaldo Arenas, Antes que Anoiteça, segui emocionado alguns lances do aniquilamento de uma geração de intelectuais e poetas pelas forças da repressão.
Percebi que tanto nele, como em Raul Rivero e mesmo em Juan Pedro Gutierrez, que vive em Havana, existe um grande vinculo com a vida, com os sentidos, e intui que talvez venha dai a força para prosseguir adiante apesar da aspereza do cotidiano numa ditadura.
No dossiê que os burocratas cubanos prepararam contra Yoani constava que ela gosta de comer bananas e, as vezes, tomar cerveja com os amigos.
O último fim de semana dela foi passado no Rio. Deve ter percebido que o crime que atribuem a ela é uma delinqüência de massa, com tanta gente tomando cerveja num domingo de muito calor
A burocracia investe contra isso não apenas pela cerveja ou mesmo pelas bananas. Ela investe contra o prazer, contra a vida, da mesma forma que investiu contra os antecessores de Yoani.
Esse é o núcleo indestrutível que ela não consegue alcançar. Suas táticas puritanas no Brasil então não tem a mínima chance de prosperar.
Yes, nós temos bananas. O Brasil não é apenas um grupo de caras de barba vociferando nas ruas e nos blogs.
A passagem de Yoani foi uma contribuição nacional para iluminar a realidade cubana e dissipar a aura de romantismo em torno da revolução.
Os adversários ajudaram, é verdade. Os adversários fizeram a parte do leão, admito. Se continuo nesse tom acabo me empolgando e escrevendo que os adversários são bons companheiros, ninguém pode negar.
Em alguns momentos você pode errar de século ou mesmo de alvo. Os seqüestradores do embaixador americano, em setembro de 69, quase o confundiram com o embaixador de Portugal.
Quando houve um quebra pau em Minas, na passagem do Brizola por BH, um pouco antes do golpe de 64, José Maria Rabelo era protegido por um segurança que socava todo mundo aos gritos de vamos acabar com esses comunistas.
José Maria o agarrou pelos braços e disse: comunistas somos nós, comunistas somos nós. E ele respondeu: ah, bem.
A recepção que os cubanos e petistas eletrônicos deram a Yoani não tem a graça do século passado. É um equívoco que envolve o destino de 11 milhões de cubanos e a reputação internacional do Brasil.
No passado, pelo menos havia alguma imaginação. Se um dia a esquerda encastelada no poder for obrigada a voltar a lutar nas ruas por uma causa justa, ela estará perdida.
Imaginem quem será convencido por um grupo de pessoas, narizes de palhaço, gritando coisas do século passado.
Não descobriam que o século passou, levou consigo a juventude hitlerista os guardas vermelhos deixando-nos apenas com uns estridentes palhaços chamando de traidora uma jovem mulher cuja vida é o exercício de liberdade.
Eduardo Suplicy bem que tentou fazê-los discutir, mostrar que tudo aquilo era absurdo. O embaixador cubano chegou a perguntar se o senador não era da CIA.
Suplicy da CIA? Só quem não o conhece poderia pensar nisso, E quem conhece um pouco a CIA sabe que, apesar de todas as suas loucuras, não seria ousada a esse ponto.

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